O título
alarmante é pra chamar atenção mesmo e dizer que eu concordo com este que é o
argumento mais batido daqueles que querem atacar o feminismo. É verdade. Toda
feminista é mal amada. E ela só é mal amada porque é mulher. Sou uma delas
e posso dizer que sou, sim, muito mal amada.
Sou mal
amada desde criancinha quando me ensinaram que o meu mundo era um tanto quanto
limitado. Na escolinha onde estudei até a quarta série (não sei o equivalente
no mundo atual), o único brinquedo que havia no pátio era uma mesa de totó.
Muito velha, muito capenga, mas era um sucesso – e exclusiva para os meninos.
Eu já não gostava de futebol, mas tinha tanta vontade de brincar naquilo! E o
fato de não poder me angustiava. Era a primeira de muitas experiências do tipo.
Conforme
fui crescendo, descobri que a mídia também não me amava. Não fui amada por
todas as novelas que retratavam somente mulheres que não se pareciam em nada
comigo (ou com a maioria das mulheres que eu conheço); não fui amada
pelos noticiários que tratam mulheres poderosas com desdém, focando por vezes
em seus atributos físicos em detrimento de sua intelectualidade e
conquistas alcançadas; não fui amada pelas revistas que me davam 101 conselhos
para enlouquecer um homem e nenhum para me manter sã em meio a tanta pressão;
não fui amada pelas receitas de emagrecimento que me adoeceram em
busca de um ideal que só satisfaria aos outros; não fui amada pelas dicas de
maquiagem que esconderiam as minhas imperfeições – e que me apontaram muito bem
quais são elas.
Certamente
não sou amada por uma sociedade que me condena se eu preservar a minha
sexualidade (Puritana! Fresca! Cu doce! Sonsa!) e me condena se eu vivê-la
livremente (Puta! Vagabunda! Piranha!); não sou amada por homens cada vez
mais exigentes em aparência física e que dão notas de 0 a 10 para o
meu corpo, analisando se sou digna ou não de sua afetividade; não sou amada
pelas mulheres que, vítimas dessa realidade, me veem como ameaça, como inimiga,
como alguém que está com inveja do que elas têm ou são ou, pior, como alguém
que quer roubar o companheiro delas; não sou amada por uma conjuntura social em
que as minhas roupas são vistas como determinantes da minha personalidade; não
sou amada numa cidade sitiada por tarados, na qual devo evitar ruas, roupas e
horários para não ser atacada; não sou amada por aqueles que culpam as mulheres
em caso de assédio ou estupro contra elas.
Também não
me ama o mercado
de trabalho, que me oferece uma remuneração menor e, no fundo, torce o
nariz para a minha maternidade; não sou amada pelas piadinhas sujas que ouço
calada de meus superiores e colegas, por medo de perder o emprego em caso de
denúncia; não sou amada ao ser chamada a atenção por excesso/falta de
maquiagem; não sou amada por uma maioria masculina em cargos de chefia; não sou
amada pela desconfiança de como consegui meu emprego ou uma promoção.
Sou mal
amada porque, se eu não casar até uma certa idade, ninguém mais vai me querer!
Nem se eu engordar, nem se eu emagrecer demais, nem se eu for muito poderosa
(porque isso ~assusta~), nem se eu for muito submissa, nem se eu for muito
inteligente, nem se eu for muito burra, nem se eu não me depilar, nem se eu
falar palavrão, nem se eu gostar de sair à noite, nem se eu quiser compromisso
sério, nem se eu não quiser compromisso sério. Não sou amada quando querem que
eu, solteira, namore (só por namorar, só por ter alguém, só pra ter um homem
que me ~assuma~); namorando, que eu case; casada, que tenha filho; com um
filho, que tenha mais; com mais, que eu tome cuidado pra não embarangar e
perder o marido. Não sou amada quando me dizem pra ter cuidado, hein, senão ele
arranja outra!!!
A
publicidade, então, me odeia! Afinal, não me vejo nos anúncios e sempre me
pedem para mudar, seja meu cabelo, meu carro, minha cerveja, meu absorvente,
minha barriga, meu molho de tomate, meus sapatos, meu hálito, meu refrigerante,
meu provedor de internet, sempre me lembrando de que, assim, eu vou ficar mais
gostosa, mais atraente, mais feliz, mais segura, mais tranquila -e menos eu.
Porque, não adianta, eu nunca tô 100%. Eu nunca sou suficiente. Como, então,
posso me sentir amada?
Se eu fosse
amada (veja bem, não digo nem BEM amada, o que seria muito melhor. Só amor já
ajudaria!), não reclamaria; não me sentiria feia, nem gorda, nem deslocada, nem
magra, nem incapaz. Poderia circular livremente pelas ruas da minha cidade
vestindo o que eu bem entendesse, sem que ninguém se sentisse no direito de
opinar sobre o meu corpo ou me dissesse o que gostaria de fazer com ele. Ah, se
eu fosse amada, seria valorizada em qualquer setor que eu desejasse trabalhar.
E leria publicações femininas que falassem mais sobre mim, e menos sobre o que
querem os homens. Se eu fosse amada, realmente, em todos os aspectos da minha
vida, eu definitivamente não precisaria ser feminista, nem
lutar por condições mínimas de liberdade para a mulher.
Não sendo o
caso, sou mal amada e, sendo assim, só me resta ser feminista.
Fonte: Cronicamente
Carioca
Leia a
matéria completa em: Toda
feminista é mal amada - Por: Luíse Bello - Geledés
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